Ficar parado no vento não me parece tão ruim / Voou parte de mim / Parte de mim” é a primeira coisa que ouvimos Chico Chico cantar em Estopim, seu segundo álbum solo. Cada disco lançado é parte de Chico que voa, aquele momento em que a obra deixa o artista e ganha o mundo: “Eu não sei se há um salto pra frente, necessariamente. Eu não sei se a coisa é assim tão linear, cada disco sendo uma versão melhorada. Não, é somente uma outra versão, sabe? Independentemente de ser melhor ou não, o próximo disco é sempre o mais atual e o que tem mais a ver com a gente, né?”, conta o jovem compositor.
Compositor faminto, Chico tinha muitas canções prontas para entrar no disco, mas um critério escolhido foi o de selecionar as mais solares, “que funcionam para dançar e também desfrutar do olhar de uma paisagem”, como diz o release do álbum. “Essas canções solares tem maior relação aos arranjos, porque em relação às letras, têm uns lances bem pra baixo também, que é onde eu me identifico mais. Essa roupagem mais ‘pra cima’ vem muito dos arranjos do Fonsa”, define.
Chega a ser um alívio constatar que não há preocupação com hits. As 15 faixas do álbum teimosamente não se encaixam no pop atual. Com frescor, o disco começa com um interlúdio e na sequência surge “Toada”, o primeiro single, que anuncia: “Tenho a luz da manhã como encanto / Como corre a cor da semana / Apitou, apitou o apito / Começou, começou a toada”. Boi-bumbá com rock. “Sempre tive muito interesse nesse ritmo, o boi. Já tocava essa canção nos shows e adorei o resultado. Além de contarmos com uma banda muito integrada, gravamos o som da porta do estúdio, da cadeira, e outros sons alternativos que funcionaram como instrumentos”, conta Chico. 
“Acorda e brinca de manhã”, ele canta em “Urmininu”, um dos temas “solares” e “pra cima” do disco, criado com o dia realmente amanhecendo. Mas a canção pode enganar o ouvinte: na verdade, Chico e João Mantuano estavam mais na pegada de ir dormir do que de acordar e brincar ao sol raiando.
Há muitos tipos de canções em Estopim — do samba de roda de “Altiva” à lisergia tragicômica de “Acorda, Zé”; da serena e melancólica “Abismo” às coloridas, dançantes e tropicalistas “Terra à Vista” e “Jogo de Chapéu”. Na reta final do LP, na vinheta “Maré”, Chico canta “A maré subiu / E levou dois jangadeiros / Amor do bom / Não se amarra por dinheiro”, evocando a simbologia e a grandeza de Caymmi. A vinheta abre caminho para a épica “Espelho”, cuja letra é ao mesmo tempo clara e aberta às mais variadas interpretações.
Quanto à diversidade de estilos e influências, Chico observa: “Isso não é algo que eu force. Eu não penso ‘vou fazer uma coisa de cada jeito’. Gosto de pensar que, no fim, é como a música pede, sabe? Às vezes o lance parte de uma coisa que nem é minha, é uma influência, aquelas coisas adormecidas que de repente acordam em mim, dependendo da canção que eu quero fazer”. Sobre Estopim sair finalmente em vinil, ele diz: “Tenho o maior orgulho disso. Engraçada essa nostalgia de futuro, porque não é algo da minha época, mas é uma coisa que me leva a um passado que eu não vivi, ainda mais sendo um LP meu. Eu adoro, coleciono LPs, amo”.
Chico Chico segue entoando e tocando vida e carreira. Seu canto é popular, humano, belo e robusto em sua simplicidade.
Esta edição do mês do clube de assinatura Três Selos Rocinante é em disco de vinil transparente 140 gramas, inclui foto, adesivos e pôster com letras e texto do jornalista Bento Araujo, autor da série de livros Lindo Sonho Delirante.